Uma escritora alemã (de dezessete anos) enfiou trechos e até uma página inteira de outros textos em seu romance de estréia. Em vez de só se desculpar, ela não usou a desculpa de plágio acidental, mas desprezou o conceito de originalidade.
Obviamente, gente mais velha não aprova. Esse texto na New Yorker comparou o remix da autora ao plágio acadêmico - equivocadamente, por sinal. Mas, no fim das contas a jornalista deixa claro que o problema é dinheiro - que alguém foi roubado.
Suponhamos, entao que a jovem autora tivesse colado páginas dA Odisséia. O texto é de domínio público, certo? Todo mundo pode usar como quiser. Eu posso escolher trechos, transformar diálogos e cenários até deixar irreconhecíveis - ou, pelo contrario, filmá-los "fielmente" o livro - e tudo certo. Eu poderia pegar e enfiar uma página no meio do meu romance sem citar original?
Eu acho que sim. Aliás, do mesmo modo não me importo que ela tenha "montado" seu romance a partir de outros. A música eletrônica e o hip-hop sampleiam o tempo todo e são provas de que é possível originalidade e necessária originalidade para criar resultados muito diferentes do original.
Acho que enxergamos algum problema nessa cópia em especial mais por tradição que por algum motivo em si. Sem dúvida a jovem autora alemã se poupasse de muita enchećão de saco se tivesse colocado na página de agradecimentos algo do tipo "em eterna divida aos 'lista de copiados'". Claro que isso não resolveria a questão conceitual - ou resolveria? Os textos estariam atribuídos - mas seria considerado mais correto.
Mas, copiando uma linha ou páginas, considero que ela criou algo novo. Afinal, arte é questão de contexto, como alguém já disse há muito tempo.
21.2.10
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8 comentários:
Eu pretendo, um dia, quando tiver paciência, escrever um livro sobre plágio, porque é um tema que me interessa bastante. Concordo com você que há diferenças entre o plágio acadêmico e o não-acadêmico. As pretensões de uma obra e de outra são bem diferentes, bem como as regras estabelecidas pelas respectivas comunidades para construção delas. Concordo também com a questão dos samplers, apenas para citar um exemplo. Agora, acho que o problema do plágio, o que é ruim nele, passa muito mais por uma dimensão ética do que financeira. Um dia desenvolvo...
Arte é questão de contexto, é verdade, mas porque necessariamente o livro que ela escreveu é arte? É por ser literatura? Basta alguém pintar um quadro para entrar na categoria de arte? E se não for arte, mas também não for acadêmico?
Bli.
Para mim (que tenho criado coisas no limite das linguagens artísticas-irmãs e enfrento conflitos diários frente aos olhares alheios) a questão é de legitimação. Diferente da Academia, que vem entronado e re-entronado canônes diariamente, nas artes não há mais modelos, não há mais parâmtros consensuais de qualidade, de valor, de porra nenhuma. (Obrigada movimentos expressionistas pelas Bienais serem como são hoje!) Pelo menos na minha cabeça fica com o receptor o papel de validar o meu discurso ou não. Dizer se minha arte é arte ou não, se é boa ou se é uma bosta, se vale ele sair de casa para ver ou fazer um download sentado na frente de seu notebook. É tudo um problema entre o artista (que joga o barro) e do receptor (que deixa colar/consome a coisa). Porque não cabe mais alguém abrir a boca pra dizer que algo é ou não válido/permitido/bom/ruim. Quem seria este Deus? Aí, claro, gera uma confusão do Demo e terminamos batendo na porta dos conceitos de 'contingência' e afins dos pós-estruturalistas. Que são, sim, muito chatos às vezes, mas certamente foram bem lidos pela alemazinha adolescente que causou este furdunço todo.
(...)
E, sinceramente, problema dela se tiver ferido algum aspecto legal, que pague a quem tiver que pagar; não conheço ela mesmo, tô nem aí.... rs
Substitua "arte" - que você parece usar como uma palavra que indica valor - por "produção cultural".
Se não for arte ou acadêmico, pode ser jornalismo - onde o plágio traz problemas semelhantes à Academia - ou publicidade, ou design - que também se pretendem produtores culturais.
Maurício,
Concordo que, no plágio artístico, a questão é pelo menos tão ética quanto financeira, mas as coisas se confundem - daí meu exemplo com "A Odisséia".
No entanto, se o problema é moral, onde exatamente está o problema? Me parece - e aí é uma "reação nas tripas", como diriam os americanos - que nosso incômodo diante do plágio artístico é a impressão de que alguém colhe resultados sem esforços. É o mesmo tipo de revolta que muita gente sente diante de quem ganha dinheiro no mercado de ações, por exemplo. Ou seja, um problema semelhante uma tragédia dos comuns do imaginário - uma questão também econômica.
(Completando)
Só que, para citar Thomas JEfferson,
“He who receives ideas from me, receives instruction himself without lessening mine; as he who lights his taper at mine receives light without darkening me”.
Ou seja, o plágio não diminui o valor da obra original - ou de alguma forma diminui? não estou bem certo. Ela continua lá, acessível, mesmo que escondida.
Claro que isso tudo é uma reflexão diante de um caso. Eu também sinto aquela raiva difusa quando vejo alguém se dando bem imitando ou copiando alguém.
Por outro lado, isso não me impede de gostar de alguns "copiões", sejam os Chemical Brothers (Cf as músicas "de outras bandas" em Surrender) ou The Matrix.
Ou Tarantino.
De fato, o ver alguém "colher resultados sem esforços" gera esse tipo de incômodo. Por isso que falei que é um problema ético, já que passa por noções de certo e errado. O que pode dar trabalho é analisar que padrões são/podem ser utilizados para formar essas noções.
E perceba que falei que era mais ética do que financeira, não "pelo menos tão/quanto". Fosse o plágio uma questão unicamente ou prioritariamente financeira, a discussão ficaria completamente esvaziada no caso da "Odisséia", mas, de fato, não fica.
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